Antes de avançarmos, o que é um CPSI mesmo?
A sigla significa Contrato Público para Solução Inovadora. E sabe por que esse conjunto de quatro letrinhas é tão relevante para a sociedade brasileira? É só seguir esse artigo até o final para entender, descobrir mais sobre a inovação no setor público e se aprofundar no assunto.
Existem muitas frentes de inovação no governo e em órgãos públicos espalhados pelo país. No entanto, depois de um Hackathon, ou de um Concurso de Ideias, ou de qualquer processo de ideação, fica sempre a dúvida: "e agora, como vou dar vida às soluções criadas?". Ou: "como vou garantir que essa ideia seja transformada em produto, processo ou serviço?".
É muito frustrante embarcar em um processo disruptivo, buscando soluções inovadoras para problemas públicos e, quando um caminho finalmente é encontrado, logo chegam as travas burocráticas, o que certamente desmotiva órgãos e instituições a se lançarem no mundo da inovação.
O Contrato Público para Solução Inovadora está previsto no Art. 14 do Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, Lei Complementar Nº 182, de 1º de junho de 2021. Ele permite testar soluções antes de definir seu escopo. Parece uma mudança simples, não é? Mas isso muda tudo: antes, a compra de um produto ou serviço pelo poder público deveria ser feita a partir de um produto ou serviço já definidos; com o CPSI, é possível contratar testes de
conceitos, para validar a solução antes de colocá-la em prática, ou seja, é possível contratar uma solução que ainda não está definida para o atendimento a um problema.
De forma bem objetiva, o CPSI é uma modalidade de licitação que possibilita à administração pública contratar diferentes fornecedores para testar soluções e qualificá-las sem o compromisso da compra de soluções posteriormente.
O modelo ainda favorece o crescimento e amadurecimento de startups brasileiras e do empreendedorismo inovador como contribuição para a inovação pública do país, e funciona em etapas: são 3 momentos para celebrar um CPSI, que veremos na sequência.
Mais criatividade e assertividade.
Menos desperdício de dinheiro público.
Melhor custo-benefício.
A jornada do CPSI possui 2 trilhas: a de planejamento, que consiste na fase interna do processo licitatório, e a do CPSI propriamente dita, que é subdividida em 3 etapas que se complementam nesse modelo de licitação inovador. Vamos entender:
A Trilha de Planejamento
É a fase interna do planejamento da contratação. Aqui, mapeamos e delimitamos o problema, realizamos pesquisas de mercado e definimos se haverá ou não contratação e se o CPSI será utilizado.
A Trilha do Instrumento (CPSI)
Com o problema bem definido e tomada a decisão por contratar via CPSI, iniciamos a Trilha do Instrumento, que consiste nas etapas do processo licitatório de fato.
As 3 Etapas são:
A 1ª etapa é a Licitação
Um processo já conhecido por gestores públicos, em que é necessário compor um edital de convocação, realizar uma avaliação de propostas e identificar as vencedoras que seguirão para o contrato.
A 2ª etapa é o CPSI
É o assunto em questão, em que se estabelecem os parâmetros para acompanhamento do projeto, os indicadores de avaliação dos resultados, o modelo de gestão e condições de pagamento, os relatórios e as entregas necessárias.
Esse contrato pode ser firmado com mais de um fornecedor, mas precisa respeitar o investimento total de R$ 1,6 milhão, com prazo de execução em até 12 meses, prorrogável por mais 12 meses.
A 3ª etapa é o Contrato de Fornecimento
Uma etapa não obrigatória, mas que viabiliza a sequência do projeto para casos em que a solução precisa de uma continuidade. Em caso de sucesso dos testes, é possível contratar o fornecedor que apresentar a melhor proposta técnica e de preço, de forma direta, sem precisar abrir novos procedimentos licitatórios.
O contrato é firmado com um único fornecedor e tem um limite de investimento total de até R$ 8 milhões e um prazo de execução de até 24 meses, podendo ser prorrogado por mais 24 meses.
Apesar de ainda não ser muito comum, um CPSI é um instrumento de compra pública simples, versátil e modular. Com ele, é possível distribuir os riscos ao longo do processo de inovação, o que traz mais garantias de sucesso. Quer um exemplo prático? Pelo CPSI, o órgão pode contratar mais de um fornecedor para propor uma solução para um problema e, assim, reduzir o risco de uma única solução contratada não atender às necessidades.
Apesar de soar inovador por si só, o CPSI não é uma novidade; ele existe há alguns anos, mas tem sido pouco utilizado pelas instituições públicas - talvez pela
ausência da mentalidade de inovação, em que o processo de tentativa e erro faz parte do processo. Outra hipótese é de que gestores públicos não estão ainda acostumados a celebrarem o CPSI, diferentemente de licitações públicas tradicionais.
O CPSI pode abrir caminhos para acelerar a inovação aberta nas instituições, permitindo uma qualificação tecnológica antes de contratações mais volumosas e bastante caras para os cofres públicos.
Reunimos 8 características importantes para se ter em mente na hora de celebrar um CPSI:
1 - Focar no problema e não na solução
O objeto do contrato está limitado ao problema a ser resolvido e aos resultados esperados, e não pressupõe já trazer definida a solução, justamente por que o CPSI busca testar saídas. Para soluções já definidas, outros modelos de contratação podem ser priorizados.
2 - Definir mais de um fornecedor, e nunca um só
O ideal é possuir mais de um fornecedor contratado em cada processo de seleção, para que você consiga comparar qual é a melhor solução proposta para o problema. É importante reforçar que não se trata de uma solução já desenvolvida e disponível no mercado, e sim de um processo de criação de algo novo - ou, em outras palavras, de inovação.
3 - Começar pequeno e crescer aos poucos
Um ganho marginal do CPSI é a promoção de aprendizagem no processo de contratação para inovação no setor público. É melhor testar pequeno, começar por desafios tangíveis e práticos e seguir aprimorando aos poucos. A prática leva à perfeição.
4 - Escolher os tipos de fornecedores
Seus fornecedores podem ser startups, uma pessoa física ou um consórcio de empresas. Essa variedade de perfis permite maior abertura para a colaboração de pessoas e instituições dentro do ecossistema de inovação pública, ampliando as possibilidades para empresas menores participarem, podendo ser dispensadas, a critério da administração pública, a exigência de habilitação jurídica, técnica, financeira e de regularidade fiscal. Mas é importante notar que seguridade social ainda permanece uma exigência.
5 - Definir critérios e comissão avaliadora
Os critérios de julgamento são definidos no contrato e estabelecidos pelo órgão que está celebrando o CPSI. Esses critérios são avaliados e julgados por uma comissão formada por profissionais capacitados naquele tema. E anota essa: é obrigatória a presença de pelo menos um profissional especialista no tema que está em jogo e também de um profissional acadêmico da área relacionada ao objetivo do CPSI.
6 - Contratar acima do teto permitido
No momento de avaliação das propostas, é possível aumentar o investimento inicialmente publicado no edital, caso haja propostas que tragam um custo benefício maior em termos de inovação, redução de prazos ou maior facilidade na manutenção e operação da solução proposta.
7 - Direitos de propriedade intelectual
Estamos falando de uma solução inovadora, portanto, que precisa de proteções. Os direitos de propriedade intelectual podem ser definidos na criação do edital ou na formulação do contrato em si. Existe bastante liberdade para que os envolvidos definam os critérios de exploração dessa solução por empresas, outras instituições e pela sociedade como um todo.
8 - Liberdade para definição de pagamentos
O CPSI permite a antecipação de pagamentos e a adoção de diferentes critérios para a remuneração das empresas contratadas, tais como o pagamento do preço fixo combinado ou de reembolsos de custos, bem como adicionais fixos e variáveis, tudo de acordo com o que foi previsto no edital.
Garanta que todas essas características estejam no seu radar antes de celebrar o seu Contrato.
Apesar de inovador, facilitador e eficiente, o CPSI apresenta alguns desafios. Vamos entender melhor:
- Mentalidade e capacidade para inovação
O CPSI existe para possibilitar, pela primeira vez, o contrato para testes, assumindo a premissa de que novas soluções só terão sucesso se aplicar, errar, aprender com o erro, moldar e testar novamente até atingir um produto mínimo viável (MVP) bem qualificado e uma proposta que atenda aos problemas da sociedade e às necessidades da administração pública. É preciso entender e absorver esse processo antes de buscar o CPSI para sua instituição.
- Mudança de foco: da solução para o problema
O contrato deixa de ter o foco na solução e traz o problema e os resultados que se quer alcançar como protagonistas, porque a solução ainda não existe - e nem deve existir antes de se propor esse caminho.
- Pouca prática no setor público
Apesar de as contratações de inovação já estarem disponíveis desde 2016, evoluído em 2018 e desenhado com modelo atual com a publicação do Marco Legal das Startups em 2021, o CPSI tem poucas referências práticas a serem compartilhadas, o que abre margem para a desconfiança. É importante promover o debate e dar mais clareza, transparência e publicidade ao tema, para favorecer o desenvolvimento de práticas inovadoras no setor público, a partir do envolvimento também do setor privado e de pessoas físicas.
- Busca por banca avaliadora
A montagem da comissão avaliadora é um desafio por dois motivos:
1) exige mais tempo das pessoas externas para a avaliação;
2) exige encontrar acadêmicos envolvidos no tema com capacidade de colaboração.
A sugestão é envolver a comissão de avaliação o quanto antes, se possível na fase de elaboração dos critérios para julgamento, antes do lançamento do edital.
Como toda inovação, o CPSI precisa ser apropriado pelos gestores e instituições. Quanto mais testarmos o modelo, mais chances teremos para evoluir e atualizar a Lei Complementar, dando mais espaço para a inovação pública.
Com novos instrumentos legais - mesmo que não tão novos assim -, é possível que servidores e servidoras tenham dúvidas do que se encaixa ou não no modelo de contratação. Uma forma de entender melhor o CPSI é olhando para aquilo que ele não é:
1 - Não é para soluções já definidas e prontas no mercado;
2 - Não é um processo para aquisição de um produto, e sim de desenvolvimento e testes de soluções que ainda não foram comercializadas;
3 - Não é um processo para buscar soluções que não são inovadoras. O modelo é de contratação de testes e a busca é por melhorias, independentemente de quais sejam, para tratar problemas identificados e sem visão de solução a priori.
Contratar soluções inovadoras já é uma realidade. Apesar de ainda pouco utilizado, o CPSI foi realizado em dezenas de entidades públicas para solucionar problemas diversos. Vamos ver um exemplo:
Uma inspiração no setor público: Prefeitura de Domingos Mourão (PI)
Não há lugar muito pequeno para realizar um CPSI. A prova disso foi Domingos Mourão, município de menos de 5 mil habitantes, há 230 km de Teresina.
Buscando aprimorar o sistema educacional do município, em 2021, a Prefeitura da cidade lançou um edital para realizar um CPSI cujo desafio consistiu em "Como podemos oferecer um recurso educacional digital para que os estudantes desenvolvam habilidades de leitura, escrita, interpretação e compreensão textual?"
Quer saber mais sobre esse processo?
Acesse o edital deste projeto
Uma inspiração no mercado: Agência AlmpaBBDO
A Agência AlmapBBDO identificou um problema social, teve uma ideia e inovou: mulheres não precisam se sentir sozinhas nos pontos de ônibus das grandes cidades. Não foi o caso, mas imagine que uma prefeitura pudesse ter proposto esse desafio para alguns fornecedores de soluções inovadoras.
Quer saber mais sobre essa ideia inovadora, premiada em Cannes, que poderia ter sido desenvolvida por meio de um CPSI?
Os Épicos nasceram para facilitar sua jornada no mundo da inovação. E, para cumprir esse objetivo, trouxemos um tutorial detalhado em 05 Etapas, com ferramentas práticas para você usar na hora de celebrar um CPSI para sua instituição ou órgão.
Etapa 01: Planejamento
Nesta etapa, você vai compreender as necessidades e prioridades estratégicas da sua instituição.
Materiais de apoio:
Modelo para Desenvolvimento de Projeto
Etapa 02: Problema
Nesta Etapa, você vai passar por algumas atividades importantes para dar contexto ao problema - o foco do CPSI.
02a: Mapear cenários e desafios que precisam de soluções inovadoras
02b: Definir o problema principal
02c: Definir se há ciclos de inovação aberta com participação cidadã Observe que:bons exemplos de ciclos de inovação aberta são os Hackathons, as Oficinas, dentre outras iniciativas.
02d: Montar a comissão avaliadora para contribuição no edital e nos critérios de pontuação
Materiais de apoio:
Desk Research
Pesquisa de Campo
Definição de Problemas
Etapa 03: Licitação
Nesta etapa, você vai cuidar do processo licitatório, passando por algumas atividades fundamentais para a sequência do seu projeto.
03a: Abrir edital de modalidade especial de licitação
Observe que: neste edital, é preciso constar a definição do problema; os resultados desejados; as condições para a inscrição e habilitação; e os critérios de avaliação.
03b: Definir critérios de propriedade intelectual e exploração da solução
03c: Definir estratégia de comunicação do projeto de inovação aberta Observe que: são exemplos de comunicação as páginas na internet, réguas de comunicação etc.).
03d: Avaliação das propostas recebidas na licitação pela comissão avaliadora
Materiais de apoio:
Modelo de Edital
Modelo de Propriedade Intelectual
Modelo de Plano de Comunicação
Guia da Comissão Avaliadora
Etapa 04: CPSI
Nesta etapa, você vai contratar as melhores soluções por meio do Contrato Público para Solução Inovadora, o CPSI, para que sejam testadas e validadas antes de irem para a sociedade.
04a: Criar condições para o CPSI
Observe que: essas condições precisam considerar uma habilitação simplificada, mas necessária, para garantir a participação dos fornecedores, e também considerar a negociação do contrato, com as condições econômicas e de remuneração.
04B: Acompanhar desenvolvimentos e testes
Observe que: esta etapa é fundamental para garantir um melhor acompanhamento das entregas dos fornecedores contratados. Quanto mais próximo dos especialistas envolvidos no seu CPSI, melhor para todo o projeto.
Materiais de apoio:
Exemplos de contratos assinados - E.I.T.A! Recife
Etapa 05: Contrato de Fornecimento
Esta etapa é opcional dentro desse processo de contratação para a inovação. Se ela for ocorrer, vale:
5a: Avaliar as soluções testadas, considerando técnica, preço e prazo de implementação
5b: Definir qual solução seguirá para esta etapa de contratação
Siga esse passo a passo na hora de celebrar o CPSI para o seu órgão. E celebre também a inovação entre todos!
Uma última dica importante:
O Tribunal de Contas da União (TCU) é referência quando o assunto é CPSI, e seus servidores desenharam uma jornada bem completa e detalhada sobre como celebrar um Contrato desse tipo, que pode servir de suporte adicional para quem se aventurar por esses caminhos disruptivos da inovação. Fica a dica!
Reunimos as principais referências no Brasil sobre o CPSI e novos modelos de contratação para inovação pública. Navegue por estes links e se aprofunde nesse assunto antes de celebrar o seu.
Marco Legal das Startups - Contratando Inovação no Setor Público. Escola Nacional de Administração Pública - Enap.
Jornada de Contrato Público para Solução Inovadora - CPSI. Tribunal de Contas da União - TCU.
Contratações de inovação: guia de alternativas jurídicas e de boas práticas para contratações de inovação no Brasil. Rafael Carvalho de Fassio; Vanderléia Radaelli; Eduardo De Azevedo e Karina Díaz, 2022.
Compras Públicas para Inovação no Brasil: Novas Possibilidades Legais. André Rauen. IPEA, 2022.
Chegamos ao final de mais um Épico. Para saber mais, acesse nossa página principal e confira outros conteúdos sobre como celebrar um CPSI.
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O Marco Legal das Startups criou o Contrato Público de Solução Inovadora (CPSI) que veio para viabilizar as compras públicas de soluções inovadoras.